“Macunaíma”, o livro de Mário de Andrade, foi publicado em 1929 e é um dos monumentos literários mais bem acabados do modernismo brasileiro. Passados 40 anos da publicação do livro, o cineasta Joaquim Pedro de Andrade conseguiu a façanha, o romance era considerado infilmável, de levar às telas o “herói sem nenhum caráter”.
A adaptação de Joaquim Pedro conseguiu o mérito de preservar a essência do livro de Mário e ao mesmo tempo atualizar seu discurso de uma maneira bem cara aos modernistas da década de 1920: antropofagicamente, “devorando” a contracultura sessentista, o movimento hippie, o tropicalismo, o candomblé, entre outras contribuições culturais.
Numa época em que a maioria dos filmes nacionais eram realizados em preto e branco, o filme é em cores berrantes e bem ao gosto dos tropicalistas. O personagem Macunaíma é interpretado magistralmente primeiro por Grande Otelo e depois por Paulo José.
Macunaíma nasceu negro (Grande Otelo) na floresta amazônica, numa família que sintetiza a formação étnica do povo brasileiro: o índio americano, o branco europeu e o negro africano, e desde cedo deu mostras do seu caráter (ou falta dele): malandro, inteligente e preguiçoso, só mostrava disposição para “brincar” (fazer sexo). A caminho da cidade do Rio de Janeiro (no livro era São Paulo), junto a seus irmãos Jiguê (Milton Gonçalves) e Maanape (Rodolfo Arena), Macunaíma se transforma em branco (Paulo José) ao passar por uma fonte mágica.
É esse segundo Macunaíma, o urbano, que aproxima ainda mais o modernismo e o tropicalismo ao incorporar (devorar) vários traços culturais brasileiros e estrangeiros, podemos ver isso nas várias caracterizações visuais do personagem que nos remete sucessivamente e não necessariamente nesta ordem a: um cantor de protesto estadunidense, um músico tropicalista, um roqueiro psicodélico, um hippie doidão, um ídolo da Jovem Guarda, etc.
Uma atualização que particularmente eu acho sensacional é a caracterização da personagem Ci (Dina Sfat), o grande amor de Macunaíma. No livro ela é uma guerreira da floresta (uma mítica amazona) e no filme uma guerreira/guerrilheira urbana. Nada mais atual e acertado num tempo em que os movimentos sociais pipocavam pelo mundo e no Brasil começavam os movimentos de guerrilha urbana contra a ditadura militar.
“Macunaíma” o filme foi um dos maiores sucessos de público do Cinema Novo brasileiro e fez, e ainda faz, o público rir muito, por vezes de si mesmo, das aventuras e desventuras do herói. Na longa lista de atividades antropofágicas do filme, um gênero de filme que havia sido sucesso no passado foi “devorado” sem nenhum constrangimento pelo Cinema Novo: a chanchada dos anos 1950. Advirto entretanto que o filme não se presta a uma única leitura e cada vez que eu o assisto noto uma referência que não havia percebido antes.
Na trilha sonora, numa atitude tipicamente tropicalista (ou seria modernista), convivem músicas de cantores da era do rádio, Silvio Caldas e Dalva de Oliveira, com o pop nacional da época, Roberto Carlos, Jorge Ben e Wilson Simonal, e até o vanguardista Jards Macalé.
VÍDEOS
Trailer do filme:
É Papo Firme com Roberto Carlos:
Toda Colorida com Jorge Ben:
Mangangá com Wilson Simonal:
Muito obrigado pelo banho cultural. NOTA 1000. Grande abraço do PASTINHA (geração ANOS DOURADOS)
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Obrigado pela infalível e inspirada presença.
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