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Quando no ensino médio, as colegas não podiam ver uma prancheta – equipamento muito usado na época – ou uma folha de caderno alheio que lá vinham “pensamentos filosóficos”. Um dos mais famosos dizia: “Viva hoje, pois o ontem já passou e o amanhã talvez não virá!”.
O cantor e compositor cearense Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes foi, com certeza, adepto desse pensamento. Em suas letras sempre paira a obsessão em viver o presente, desde seu primeiro sucesso em pareceria com Fagner. Em Mucuripe no seu segundo verso lê-se:
Hoje à noite namorar sem ter medo da saudade sem vontade de casar.
Ao longo dos álbuns de Belchior, esse tema se repete. Em Ypê ele é aprofundado com os versos:
Contemplo o rio, que corre parado
e a dançarina de pedra que evolui,
completamente sem metas, sentado
não tenho sido e eu sou não serei nem fui
A mente quer ser, mas querendo erra
pois só sem desejos é que se vive o agora
Em Coração Selvagem, outra referência:
Não quero o que a cabeça pensa eu quero o que a alma deseja
Arco-íris, anjo rebelde, eu quero o corpo tenho pressa de viver
Em Alucinação mais uma reflexão:
A minha alucinação
É suportar o dia-a-dia
E meu delírio
É a experiência
Com coisas reais
Velha Roupa Colorida trata do abandono ao passado:
Você não sente nem vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
E o que há algum tempo era novo jovem
Hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer
No presente a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa que não nos serve mais
Acabando com a “saudade” em Tudo Outra Vez:
O fim do termo “saudade”
Como o charme brasileiro
De alguém sozinho a cismar…
Um pouco fora do tema da ‘obsessão pelo presente’, mas são bonitos os versos de Fotografia 3×4:
A noite fria me ensinou a amar mais o meu dia
E pela dor eu descobri o poder da alegria
E por falar em coisas bonitas, Como os Nossos Pais tem versos emocionantes:
Já faz tempo
E eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Esta lembrança
É o quadro que dói mais
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais
Mais versos para completar:
… mas veio o tempo negro e, à força, fez comigo
o mal que a força sempre faz
Não sou feliz, mas não sou mudo:
hoje eu canto muito mais”
De Galos, Noites e Quintais.
Belchior sempre usou a palavra e os sons como instrumento cortante, dilacerador. Em seu primeiro grande sucesso, Apenas um Rapaz Latino Americano, o compositor já se apresenta:
Não me peça que lhe faça uma canção como se deve
Correta, branca, suave, muito limpa, muito leve
Sons, palavras, são navalhas e eu não posso cantar como convém
Sem querer ferir ninguém
Essa característica nordestina se encontra bem explicitada nos poemas de João Cabral de Melo Neto (vide A Escola das Facas e, principalmente A Palo Seco).
No terceiro verso de A Palo Seco, João Cabral escreve:
O cante a palo seco
é um cante desarmado:
só a lâmina da voz
sem a arma do braço;
que o cante a palo seco
sem tempero ou ajuda
tem de abrir o silêncio
com sua chama nua.
O poeta João Cabral trata a palavra como lâmina e inspira Belchior a finalizar seu A Palo Seco:
Sei que assim falando pensas
Que esse desespero é moda em 76
E eu quero é que esse canto torto
Feito faca, corte a carne de vocês
Sempre a expor suas raízes nordestinas, brasileiras e sul-americanas; Belchior aproveita os versos do poeta do absurdo – e ídolo de Zé Ramalho – Zé Limeira:
Eu já cantei no Recife
Na porta do Pronto Socorro
Ganhei duzentos mil réis
Comprei duzentos cachorro
Morri no ano passado
Mas este ano eu não morro
Belchior compôs Sujeito de Sorte:
E assim já não posso sofrer no ano passado
Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro
E não morrerá!!!
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Muito bom, Zé!!!!!
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Com seu auxílio, né Paulo.
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Como sempre o Zé Maurício buscou fundo para interligar tantas canções e fazer a gente refletir e admirar esse grande poeta e cantor. Parabéns Zé.
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Obrigado Dulcirene, mas foi fácil, era da nossa época.
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mauro.pastinha@hotmail.com
E.MAILS=2017-127 – – – 07/Domingo = 01:07
DISCO NOTA 11 = B E L C H I O R
ROCKONTRO (ZÉ MAURÍCIO ESPECIAL)
Obrigado pelo presente. Com as trombetas anunciando a partida de mais um dos “Profetas da Música”, constatamos, cincoenta anos depois, que “nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam não. Você diz que,
depois deles, não apareceu mais ninguém”. — SARAVÁ, Profeta BELCHIOR.
PAZ & BEM, E ATÉ AMANHÃ, SE DEUS NOS PERMITIR.
Depois de escutar as músicas constantes no link abaixo, e aberta a segunda K A R A K Ú, vou cantar essas minhas preferidas – VENHAM COMIGO:
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Poi é, Comendador, não apareceu mais ninguém!!!
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E o que é pior, Comendador, isso nos torna prisioneiros do nosso passado, pois falta trilha sonora para acompanhar os acontecimentos presentes de nossa vida.
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