Paulo Fernandes
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LOBOTOMIA
O ano era 1978. Ainda havia censura oficial no Brasil. Estava eu passando um final de semana em Brasília, na casa do meu amigo Josino Nery. Nessa época os filmes não estreavam simultaneamente nas capitais brasileiras e lá já estava sendo exibido “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick, finalmente liberado pela censura após 7 anos de proibição.
Estávamos ansiosos para ver o filme e fomos ao Conjunto Nacional para pegar a sessão, creio, das 18h. Como chegamos muito antes do início ficamos perambulando por aqueles labirintos do shopping repletos de livrarias e lojas de discos, não sei como estão hoje, pois há muito não vou lá.
Numa dessas discotecas (não a danceteria e sim a loja) dou de cara novamente com aquela capa intrigante de “Brain Salad Surgery” do Emerson, Lake & Palmer. Eu já conhecia algumas coisas do ELP, Lucky Man, Tarkus e outras, mas aquele disco eu, não sei o porquê, nunca havia escutado.
O disco já me conquistou na primeira música, comprei-o e fomos assistir ao filme. Assistimos 2 sessões seguidas e ainda voltamos no domingo para vê-lo mais uma vez. Essa primeira versão liberada no Brasil tinha umas bolinhas pretas ridículas a cobrir, coisa nem sempre eficiente, a genitália dos atores.
Desde essa ocasião fiz a associação entre “Brain Salad Surgery” e “Laranja Mecânica”, que eu tento explicar por elementos explícitos ou sugeridos que são comuns às duas obras-primas: a lobotomia, a ingerência externa à liberdade humana, o homem “espremido” em sua essência e substituído por máquinas, etc.
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CIRURGIA NA SALADA DO CÉREBRO
O disco começa de forma triunfal no sintetizador Moog de Keith Emerson com Jerusalem adaptação roqueira do grupo para o hino composto por Hubert Parry com versos do poeta William Blake.
Em seguida uma pauleira, Toccata, versão percussiva para o quarto movimento do Concerto para Piano n° 1 do compositor argentino Alberto Ginastera. Carl Palmer toca uma bateria, com efeitos eletrônicos, de tirar o fôlego.
Para amenizar um pouco, a terceira faixa é uma linda balada de Greg Lake, Still…You Turn Me On, com uma linha de contrabaixo espetacular. Uma melodia de cabaré torna Benny, The Bouncer uma deliciosa diversão. Um letrista como membro de uma banda é coisa típica do rock progressivo em seus Anos de Ouro (do final da década de 1960 até meados dos 1970). Participa desse disco o letrista da primeira fase do King Crimson: Peter Sinfield.
Karn Evil talvez seja a música mais ambiciosa e sofisticada do Emerson, Lake & Palmer. Dividida em 3 movimentos, chamados de “impressões”, com a duração total de cerca de 30min, precisou ter repartida sua primeira “impressão” em 2 partes para poder ser acomodada no vinil. E aqui há espaço para várias mudanças de direção musical e experimentações típicas do rock progressivo setentista, com os 3 músicos tendo a oportunidade de mostrar todo seu talento. A música St. Thomas do saxofonista de jazz Sonny Rollins é interpolada à melodia de Emerson em Karn Evil 9: 2nd Impression. A voz do computador megalomaníaco em Karn Evil 9: 3rd Impression é de Keith Emerson.
A misteriosa capa foi confeccionada pelo artista plástico suíço H. R. Giger, o mesmo que desenhou o monstro e parte dos cenários do filme “Alien: O Oitavo Passageiro” de Ridley Scott. A capa é um digno exemplar do surrealismo bio-mecânico de Giger.
Assisti “Laranja Mecânica” mais 6 vezes no cinema em Goiânia, alguns meses depois. Após o fim da censura, quando o filme foi relançado sem as bolinhas pretas, eu devo tê-lo assistido mais umas 3 vezes no cinema. Com o lançamento em vídeo (K7 e DVD) perdi a conta. Meu filme preferido e um dos meus discos mais queridos ficaram ligados indelevelmente para todo o sempre.
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FAIXAS
Lado A
1) Jerusalem (Parry, Blake)
2) Toccata (Ginastera)
3) Still…You Turn Me On (Lake)
4) Benny the Bouncer (Emerson, Lake, Sinfield)
5) Karn Evil 9: 1st Impression, Pt. 1 (Emerson, Lake)
Lado B
1) Karn Evil 9: 1st Impression, Pt. 2 (Emerson, Lake)
2) Karn Evil 9: 2nd Impression (Emerson)
3) Karn Evil 9: 3rd Impression (Emerson, Lake, Sinfield)
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MÚSICAS
Ouça o álbum completo:
Essas capas são uns dos motivos de eu gostar mais de vinil, que está ressurgindo , ainda bem . A capa é um ótimo espaço pra um artista mostrar seus dotes em mais detalhes. Tenho em Cd Axis Bold As Love com aquela magnífica imagem do trio representando o deus da guerra hindu, mas como eu quero um dia em lp, pra ver aquela arte melhor . Quem pintava essas capas eram artistas excelentes e duvido que Warhol aceitaria fazer a capa de um Cd porque a imagem ficaria pequena após finalizada. Giger, que pintou essa capa foi escalado por Jodorowski pra trabalhar na arte da versão do Dune pro cinema, que nunca saiu pelas mãos deles . Mais um atrativo praquela era fantástica da música.
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Sem dúvida, a arte fica muito melhor no vinil.
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