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A MÍSTICA DO LADO ESCURO DA LUA
Passados mais de 40 anos de seu lançamento, qual será o segredo do fascínio desse disco?
Tenho saudades de quando eu e meus amigos José Ricardo e Josino nos reuníamos, nos anos 70, numa espécie de ritual para escutar “The Dark Side of The Moon” e ficar procurando seus mínimos detalhes, os sons e ruídos mais escondidos. Tal experiência, mesmo que frequentemente repetida, sempre resultava em encantamento e surpresas.
Esta obra-prima não foi fruto do acaso, ela foi pensada, planejada e testada nos palcos durante vários meses antes do Pink Floyd entrar em estúdio para gravá-la. A banda que vinha cicatrizando as feridas da saída de Syd Barrett, e já havia dado grandes passos na consolidação de sua identidade sonora com os álbuns “Atom Heart Mother” e “Meddle”, ansiava por uma consagração definitiva, algo que lhe assegurasse um lugar de honra no panteão do rock.
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O ESTÚDIO E O PALCO COMO LABORATÓRIOS
A gravação de Echoes, do álbum “Meddle”, deu a direção, que o grupo tanto ansiava, tanto musical quanto de concepção: em estúdio gravavam tudo o que aparecia à cabeça, mesmo que fossem fragmentos desconexos que depois eram trabalhados e juntados. Em seguida essas colagens eram levadas ao palco e retrabalhadas, alteradas. Ao voltarem para o estúdio, com a música praticamente pronta, era a hora dos acertos finais e da gravação.
Um dos fragmentos musicais mais promissores, e que viria a ser a base de Us and Them, era uma peça instrumental de Rick Wright, que já vinha sendo tocada regularmente em shows a partir de 1970: The Violent Sequence, não aproveitada na trilha de “Zabriskie Point”, filme de Michelangelo Antonioni.
Outros embriões das futuras músicas de “The Dark Side of the Moon” também foram escolhidos para serem desenvolvidos. Além disso, havia material que era totalmente novo.
A turnê para “testar” as novas músicas teve início em janeiro de 1972 e incluía novos equipamentos de som e de iluminação. A essa altura o nome de trabalho era “Eclipse: Uma peça para lunáticos variados”, e já contemplava grande parte do que viria a ser o álbum “The Dark Side of the Moon”.
Num dos intervalos da turnê, o Pink Floyd seguiu para o estúdio de Elton John na França onde gravou a trilha sonora para o filme “La Valée”, de Barbet Schroeder, que foi lançada em disco com o nome de “Obscured by Clouds”.
Em maio de 1972 começaram as sessões de gravação nos estúdios Abbey Road. O grupo passaria os próximos 7 meses revezando entre as gravações e os shows. Em setembro do mesmo ano, nos shows pelos EUA, o ciclo de canções que já vinha sendo burilado há quase um ano assumiu seu título definitivo de “The Dark Side of the Moon”.
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UM CONCEITO (E VÁRIAS EXPLICAÇÕES)
Roger Waters, em determinado ponto do trabalho de composição, propôs que as letras das músicas versassem sobre um único tema, ou seja um disco conceitual. E afinal de contas que conceito é esse, que parece simples, mas é tão difícil de explicar?
Das várias explicações dadas pelos componentes do Pink Floyd, reproduzo aqui uma de Waters, em 2003, em texto tirado do livro: “The Dark Side of the Moon – Os bastidores da obra-prima do Pink Floyd” de John Harris:
“Dark Side apresentava temas universais, como morte, insanidade, opulência, pobreza, guerra e paz. Vestígios de elementos autobiográficos que se referiam a Waters, à morte de seu pai na IIª Guerra e ao destino de Syd Barrett. O que amarrava tudo isso, diz Waters, era a ideia de que a disfunção, a loucura e os conflitos poderiam ser reduzidos quando as pessoas redescobriam a única característica fundamental que tinham em comum: “O potencial que os seres humanos possuem para reconhecer a humanidade do outro, e sua resposta a isso, com empatia, e não antipatia’”
Tal declaração nos faz pensar, e ao ouvir o disco não nos resta dúvida, que, apesar das pressões impostas pela sociedade ao individuo, ainda havia uma esperança na visão de mundo de Waters, que se deterioraria cada vez mais nos trabalhos posteriores, até chegar ao fundo do poço do pessimismo com “The Final Cut”. Outra imagem positiva é a de uma banda coesa e ainda com prazer pelo trabalho conjunto, em contraposição ao líder autocrático e egocêntrico que viria a se tornar Waters.
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DETALHES PRECIOSOS
As batidas de coração que abrem e fecham o disco, loops de fita, o sintetizador Synthi A em On the Run, os relógios, o carrilhão e a percussão inicial de Time, os vocais de Clare Torry em The Great Gig in the Sky (a última música a tomar forma definitiva), os ruídos de moedas e o balanço funkeado de Money, os vocais de apoio femininos, o sax de Dick Parry. Detalhes preciosos que ajudaram a criar a mística deste álbum.
O engenheiro de som, que ganhou fama com este trabalho, foi Alan Parsons, que posteriormente montou sua própria banda, a Alan Parsons Project.
Storm Thorgeson e Aubrey Powell queriam criar uma capa diferente das que já haviam feito para os discos anteriores do Pink Floyd. A dica veio de Rick Wright, o tecladista disse que eles deviam tentar algo “mais esperto, mais enxuto e com mais classe”. E com o prisma decompondo a luz, criaram um ícone imortal.
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“DARK SIDE TEM A VER COM O QUÊ, AFINAL?”
Mais uma ideia genial de Waters e mais um ótimo tempero foi adicionado ao álbum. Ele bolou uma série de perguntas, escritas em cartões, que começavam bem simples e findavam com esta: “Em sua opinião, Dark Side tem a ver com o quê, afinal?”
E saiu por Abbey Road inquirindo quem encontrasse pela frente: os funcionários do estúdio, membros da equipe técnica das turnês da banda, alguns músicos, etc. A grande sacada é que somente as respostas foram gravadas. Após a seleção das gravações, algumas entraram no disco. Desta forma escutamos coisas, aparentemente disparatadas, como estas aqui:
“Sou louco há uma ‘porrada’ de anos, absolutamente, anos”. (Chris Adamson);
“Não existe lado escuro da Lua, na verdade. Se querem saber, lá é tudo escuro. A única coisa que a faz parecer iluminada é o Sol.” (Gerry O’Driscoll);
“Sempre fui louco. Sei que sou louco como a maioria de nós. É muito difícil explicar por que você ficou louco, mesmo que não seja louco.” (Gerry O’Driscoll):
“Não tenho medo de morrer. Qualquer hora serve. Não me importo. Por que deveria ter medo de morrer? Não há motivo para isso. Você tem de ir um dia.” (Gerry O’Driscoll);
“Quero dizer, elas podem até te matar. Então se você dá nelas um choque rápido, curto e grosso, não voltam a fazer aquilo. Sacou? Quero dizer, ele se safou numa boa, porque eu podia ter-lhe dado uma surra. Só acertei um soco. Boas maneiras não custam nada, custam?” (Roger Manifold).
Menção honrosa para a gargalhada ensandecida de Peter Watts, engenheiro de som e pai da atriz Naomi Watts. Paul McCartney foi um dos entrevistados pelo método dos cartões, mas suas respostas não foram aproveitadas.
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“CHEGAMOS AO TOPO. E AGORA?”
Início de 1973, inverno no Hemisfério Norte, disco lançado, turnês começadas, pronto! O Pink Floyd tinha ultrapassado o ponto aonde queria chegar: a consagração.
Ambicioso e ao mesmo tempo acessível, “Dark Side” representou a transformação do Pink Floyd. A banda de clubes, que fazia shows para plateias pequenas e reverentes, deu lugar a um supergrupo que lotava grandes estádios e tocava para um público barulhento e impaciente a gritar e a pedir os hits.
Nas palavras de Roger Waters: “Alcançar aquele tipo de sucesso é a meta de todo grupo. Uma vez que você chegou lá, está tudo acabado.”
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FAIXAS
Lado A
1) Speak to Me (Mason)
2) Breathe (Gilmour, Waters, Wright)
3) On the Run (Gilmour, Waters)
4) Time / Breathe (Reprise) (Gilmour, Waters, Wright, Mason)
5) The Great Gig in the Sky (Wright, Torry)*
Lado B
1) Money (Waters)
2) Us and Them (Wright, Waters)
3) Any Colour You Like (Gilmour, Wright, Mason)
4) Brain Damage (Waters)
5) Eclipse (Waters)
* A cantora Clare Torry conseguiu na justiça o crédito de coautora de “The Great Gig in the Sky”.
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MÚSICAS
Ouça o álbum completo:
Vídeos da gravação do álbum (do filme “Live in Pompeii”):
Republicou isso em reblogador.
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Como canta Mark Knopfler:
You feel alright when you hear that music ring
That´s rock!!
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Pingback: Disco Nota 11: “The Dark Side of The Moon” – Pink Floyd | Patricia Finotti
E foi através deste álbum que tornei-me fã do Pink Floyd…
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Bom dia, Rockontro!
Paulo Fernandes,
Seus textos, seu estilo, estão cada vez mais refinados, elegantes, e ricos em informações, mas mantendo a leveza simples e o gosto de se ler.
Muito bom!
Grato.
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