SEGUIR EM FRENTE, NAVEGAR É PRECISO
Após passarem algum tempo na cadeia no Rio de Janeiro, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram mandados para Salvador, em 1969, enquanto aguardavam a partida para o exílio em Londres. Foi nesse clima pesado de prisão domiciliar que Caetano gravou aquele que pode ser considerado seu melhor álbum de todos os tempos: “Caetano Veloso”, de 1969.

Caetano e Gil, em 1968, antes do AI-5
Caetano e Gil gravavam as vozes e os violões em Salvador e mandavam as fitas para Rogério Duprat acrescentar os outros instrumentos e as orquestrações em um estúdio no Rio de Janeiro.
Embora o disco tenha um clima meio melancólico, como o que perpassa o fado Os Argonautas, Caetano não entrega os pontos e dá sinais de esperança e alegria com o frevo Atrás do Trio Elétrico e o tango Cambalache e também na modinha popular Marinheiro Só. Como diz o refrão de Os Argonautas: “Navegar é preciso / Viver não é preciso”, remetendo a Fernando Pessoa. Esta é a música mais simbólica deste excelente álbum.

Um Caetano abatido e com os cabelos cortados, após sair da prisão em 1969
Já deu para notar que uma das propostas tropicalistas continuava a nortear a nau de Caetano: o ecletismo. Fado, frevo, tango, samba, rock e outras cositas mas. A vanguarda está presente no rock psicodélico Não Identificado – já gravado por Gal Costa em seu álbum lançado no mesmo ano – na colagem musical de Acrilírico e na doidura de Gil, chamada Alfômega.
O rock bossa-novista (é o que me parece!!!) Irene, é uma das músicas mais conhecidas de Caetano. Há uma versão bem tristonha de um dos maiores sucessos de Chico Buarque: Carolina, e na mesma linha o samba de fossa Chuvas de Verão de Fernando Lobo.

Caetano na gravação de voz em Salvador
Após este álbum, Caetano e Gil seguiriam para uma temporada forçada em Londres e ao voltarem no início da década de 70, a música de ambos seguiu por caminhos diferentes daqueles que trilhava antes do exílio.
A capa totalmente branca, apenas com a assinatura de Caetano, diz muito sobre o momento pelo qual passava o artista ao contrastar com profusão de cores do álbum anterior de 1968 – também chamado “Caetano Veloso” – e do coletivo “Tropicália ou Panis et Circences”.

Caetano e Gil na chegada ao exílio em Londres
“NAVEGAR É PRECISO, VIVER NÃO É PRECISO”
O poema “Navegar é Preciso”, de Fernando Pessoa – o qual serve de inspiração para Os Argonautas – por sua vez, é baseado em uma frase atribuída a Pompeu, grande general romano contemporâneo de Julio César. Pompeu – segundo o que escreveu o historiador romano Plutarco – teria dito aos comandantes de seus navios: “Navigare necesse, vivere non necesse”. Os navios precisavam chegar a Roma com mantimentos e os marinheiros não queriam navegar em uma situação de tempestade.

Busto de Pompeu
A frase de Pompeu tem o sentido da necessidade de navegar para chegar a Roma, mesmo na iminência de uma grande tempestade que podia ceifar a vida de muitos marinheiros, pois a cidade esperava os mantimentos a serem levados pela frota do general. A capital da então república se encontrava isolada devido à rebelião de escravos comandada por Espártaco. Já na frase do Pessoa – e na música do Caetano – além do sentido de necessidade de seguir em frente e criar, mesmo em situações adversas, podemos enxergar o ‘preciso’ com sentido de exato, certo. A navegação é uma ciência exata, a vida não!
FAIXAS
Todas as músicas compostas por Caetano Veloso, exceto as indicadas.
Lado A
1) Irene
2) The Empty Boat
3) Marinheiro Só (tradicional, arr. Caetano)
4) Lost in Paradise
5) Atrás do Trio Elétrico
6) Os Argonautas
Lado B
1) Carolina (Chico Buarque)
2) Cambalache (Enrique Santos Discépolo)
3) Não Identificado
4) Chuvas de Verão (Fernando Lobo)
5) Acrilírico (Caetano Veloso, Rogério Duarte, Rogério Duprat)
6) Alfômega (Gilberto Gil)
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Muito legal o post. Acho que já falei sobre o “Navegar é preciso. Viver não é preciso” no meu blog, mas entendia algo como se o navegar fosse o criar, o buscar. E o viver algo mais estático ou cômodo. Abraço!
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No poema do Fernando Pessoa é bem explícito isso que você disse do criar.
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É, sim, desculpe. Me empolguei. Bjs
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kkkk, à vontade! Como não empolgar?
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Quando eu comprei esse disco, uns 10 anos depois do seu lançamento, eu simplesmente gostei muito dele. Quando mais para frente eu entendi a história por trás dele, meu amor por ele aumentou mais ainda. Acho que escrevo sobre esses discos como forma de montar minha história pessoal, e assim aprendo sempre mais.
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é o álbum branco, depois do sgt peppers… (67/68, 68/69)
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O ze60 (acima) foi muito feliz na observação. Perfeito: o ÁLBUM BRANDO BRASILEIRO. Quando menos se espera, olha ai os FOUR DE LIVERPOOL no pedaço, ditando comportamentos, modos, manias e COISAS ETERNAS. Antes, durante e eternamente depois. – Obrigado pela postagem. Vai ser meu e.mail 2016/174, deste próximo domingo=28/06/2016.
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O álbum do ano anterior é superior,para o meu parco entendimento,mas é muito boa a resenha.
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