
Nascido em 1895 na cidade de Santo Amaro, terra de Caetano Veloso e Maria Bethânia, o baiano Manoel Henrique Pereira ficou conhecido pela alcunha de Besouro Mangangá, por sua extrema habilidade na arte da capoeira.
Sua destreza e inteligência ajudaram a alimentar a crença popular de que o Besouro tinha poderes mágicos e o corpo fechado. Um desses poderes seria aquele que lhe deu o apelido: ele poderia se transformar em besouro e sair voando quando estivesse numa contenda com muitos adversários e não pudesse vencer a todos. Conta-se que não era criminoso, mas não gostava da polícia, o que lhe angariou antipatia das forças de segurança.

Um dos pilares da capoeira é a música, e principalmente o ritmo. Expressão genuína da cultura afro-brasileira, a capoeira agrega arte marcial e dança, que seguem o ritmo ditado pela música instrumental e vocal. A capoeira entrelaçada ao samba de roda, outra expressão cultural do Recôncavo Baiano, influenciou muitos compositores da música brasileira, destaque para Baden Powell.
Dentre canções inspiradas pela capoeira, quero me deter aqui em duas delas: “Fita Amarela” de Noel Rosa e “Lapinha” de Baden Powell e Paulo César Pinheiro.
Quando eu era criança, eu pensava que essas duas músicas eram uma só, pois minha mãe cantava regularmente as duas em nossa casa. A do Noel, ela cantava inteira, e começa assim:
“Quando eu morrer
Não quero choro nem vela,
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela”
Já “Lapinha”, ela cantava só o refrão:
“Quando eu morrer me enterre na Lapinha,
Quando eu morrer me enterre na Lapinha
Calça, culote, paletó almofadinha
Calça, culote, paletó almofadinha”
Além do ritmo puxado para o samba de roda, mal sabia eu, ao perceber intuitivamente a similaridade, que ambas as canções teriam bebido na mesma fonte: um tema supostamente composto pelo Besouro Mangangá para suas rodas de capoeira.

A genialidade de Noel Rosa quase não nos deixa perceber as citações à capoeira e ao candomblé na música e na letra de seu samba urbano, apesar dele ter reproduzido frases inteiras da original atribuída ao Besouro. “Não quero choro nem vela” é uma rejeição aos rituais católicos tão arraigados na época de Noel. Há também citações à reencarnação e a comemorar a passagem da alma com samba, sapateado e choro de flauta.
Já na música de Baden Powell e na letra de Paulo César Pinheiro, a presença do Besouro, que também era conhecido por Cordão de Ouro, é explícita:
“Adeus Bahia, zum zum zum, Cordão de Ouro
Eu vou partir porque mataram o meu Besouro
Adeus Bahia, zum zum zum, Cordão de Ouro
Eu vou partir porque mataram o meu Besouro”

“Lapinha” foi lançada em 1968, ano agitado na cultura e na política do país. O endurecimento da ditadura militar levaria à edição do AI-5 no final daquele ano. Veladamente a música exaltava um personagem da nossa história que lutava, e não se entregava, contra a opressão.
Para finalizar, aqui estão os versos originais que teriam sido escritos pelo Besouro Mangangá:
“Quando eu morrer
Não quero choro nem vela,
Também não quero barulho
Na porta do cemitério
Eu quero meu berimbau
Eu quero meu berimbau
Com uma fita amarela
Gravada com o nome dela”
A vida, romantizada, do Besouro Mangangá foi retratada no filme “Besouro”, 2009, dirigido por João Daniel Thikomiroff, do qual peguei a imagem do ator Aílton Carmo, que interpretou o capoeirista.
MÚSICAS
Graaande Paulo Afonso!
Parabéns pelo trabalho
CurtirCurtido por 1 pessoa