Quando eu entrei na faculdade, o choque de cultura que mais me incomodou foi o musical. Não sei se o Paulo sentiu o mesmo, mas, por gostar de rock fui taxado de imperialista!?
– Você não gosta do Caetano Veloso, Chico Buarque, Geraldo Vandré?
– Gosto! Mas adoro Beatles (com onze anos, ao ouvir o álbum branco pedi ao meu pai para estudar inglês).
– Você tem que gostar de artistas brasileiros!
Este diálogo se repetiu várias vezes com diferentes colegas, até que, cansado, resolvi apelar: se é pra ser bairrista, gosto mesmo é de Odair José já que ele é de Morrinhos, (16 de agosto de 1948), além de brasileiro, ele é goiano. Acharam que era gozação.
Como eu sabia algumas de suas músicas, pude manter minha afirmação. Acontece que eu fui criado ao pé do rádio AM e ouvia Beatles, Diana Ross & Marvin Gaye (Stop, Look, Listen ficou muito tempo em primeiro lugar no programa “Cidinho em alta velocidade” da Rádio Globo), Secos & Molhados, Tim Maia, Antonio Marcos, Ronnie Von, Novos Baianos, enquanto aguardava passar a música que eu gostava para ligar o gravador e com o microfone colado ao alto falante do rádio “montar” a minha fita K7.
Procurando “raridades” de Raul Seixas, descobri os três discos PHONO 73, um festival promovido pela Phonogram com quase todo seu elenco, mais conhecido pela censura (corte do áudio do microfone) a Chico Buarque e Gilberto Gil quando cantavam Cálice. Este disco continha na quarta faixa do lado 2 do disco 1 Loteria da Babilônia em uma gravação realmente ao vivo (existia uma mania das gravadoras de inserir, entre uma faixa e outra, aplausos pré-gravados forjando assim um disco “ao vivo” com gravações de estúdio).
Neste mesmo lado estava algo mais raro e precioso: faixa 2 – eu vou tirar você desse lugar cantada por Odair José e… Caetano Veloso! Seria minha vingança e redenção. O ídolo de meus colegas era fã do meu “ídolo”. Gravei a faixa em uma fita K7 (usando um S-95 da Gradiente) e calei a boca de todos. Para mim, Odair José já havia cumprido seu papel e pude curtir meu rock sem ser incomodado.
Em 2002 li um artigo na folha de São Paulo onde o historiador Paulo César de Araújo, autor do livro “Eu Não Sou Cachorro, Não” (Record), afirma que “Odair José teve mais canções censuradas que Gil e Caetano juntos”. Sem saber, estava na vanguarda, também em matéria de censura, o meu ídolo eleito por bairrismo era o maior.
Fui surpreendido novamente em 2009 com o lançamento do CD eu vou tirar você desse lugar que reunia de Zeca Baleiro a Pato Fu, do Mombojó ao Titã Paulo Miklos, todos reverentes a um ícone brega: o velho Odair. Sem contar que a música título deste CD já havia sido gravada pelos Los Hermanos em 2003.
Como disse o amigo Paulo: “nada como o distanciamento crítico do tempo, a mente aberta e a consciência de saber que nada é definitivo e fechado…”, pois, recentemente vi no youtube (http://www.youtube.com/watch?v=GclBZLiTLC4) uma apresentação do grande Zeca Baleiro no Sesc Pompéia em São Paulo com o nosso Ted (terror das empregadas domésticas, como Odair era conhecido) dividindo o palco e acompanhado por um ótimo solo de guitarra. Mais de 30 anos se passaram desde que escolhi meu “ídolo” por pura gozação (zoação, diriam hoje), mas devo confessar que, não sei se por memória afetiva, acho legal aquele refrão: “cadê vocêêêê… que nunca mais apareceu aqui, que não voltou pra me fazer sorrir…
Curiosidades:
O primeiro disco de Odair José (1970) trazia a faixa Tudo Acabado, composição de Raulzito (Raul Santos Seixas).
Em entrevista à Record News, Odair contou das coincidências e de sua pouca sorte com censura, pois acharam que “eu vou tirar você desse lugar” se referia ao então presidente Médici e quando o governo federal lançou o programa de controle de natalidade ele lançou Uma vida só (pare de tomar a pílula).
Em 2005, ao contar esse “causo” ao amigo Fábio da banda Pesa Nervos, fui por ele convidado a tocar Eu vou tirar você desse lugar em um show no Pau Brasil (um pub/casa de show/bar) onde toquei uma Gibson Les Paul e cantei a parte de Odair enquanto Fábio entrava o refrão como Caetano fizera em 1973.
Foi lançado em 2005 um box contendo um DVD (apenas 35 minutos de imagens das apresentações do festival) e dois CDs com 32 faixas remixadas e remasterizadas.
Apontado por muitos como a primeira ópera-rock nacional, o disco conceitual O filho de José e Maria (RCA – 1977), influenciado pelo livro “O Profeta” de Kalil Gibran também lhe rendeu censura por parte da igreja por contar a história de um rapaz que assumiria sua homossexualidade aos 33 anos (outra coincidência?).
Em 2012 foi lançado o álbum “Praça Tiradentes” onde Odair José se reaproxima do rock. Produzido por Zeca Baleiro, o disco tem a participação de Paulo Miklos, a presença de músicas de Chico César, do próprio Baleiro e da dupla Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown.
Eu sempre fui fã de Odair José,que nunca teve nada de brega,bregas são os músicos sertanejos,idolatrados em todos os inferninhos da vida.
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Em resposta à pergunto do José Maurício: Sim! Também escutei discursos semelhantes e de nada adiantava argumentar que eu gostava tanto dos artistas da MPB quanto do rock internacional. Minha “vingança” foi diferente: Como fazíamos muitas festas e em 99,9% delas só rolava MPB e música regional (não era o sertanojo ainda) quando a festa foi lá em casa só rolou rock, até disco de punk eu coloquei. kkkk.
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